terça-feira, 7 de março de 2017


Os dois objetivos do Ensino Médio

Observando a história do Ensino Médio no Brasil, pode-se perceber uma divisão inicial que, de certo modo explica as suas dificuldades. Foi um nível de ensino que começou com dois entendimentos: o primeiro o concebia como um curso propedêutico com o objetivo de preparar para os estudos superiores. A lei estabelecia o pré-médico, o pré-politécnico, o pré-jurídico. Sob esse enfoque, o nível médio não teria identidade própria. Seria um curso preparatório determinado pelas exigências da universidade.

O outro entendimento o considerava como complementar ao nível fundamental. Seu objetivo seria a cultura geral, a reflexão crítica que permitisse um posicionamento diante da vida e o exercício consciente da cidadania.

Ao longo do tempo, prevaleceu uma ou outra concepção. Essa divisão caracterizou o Ensino Médio como um curso sem identidade própria variando o seu currículo e os seus conteúdos conforme as imposições do momento. O aumento da demanda pela Universidade levou à necessidade de eliminar candidatos pela escassez das vagas. Como decorrência, o curso especializou-se, cada vez mais na preparação para os exames vestibulares. Com a introdução do ENEM, o direcionamento voltou-se inteiramente para a sua preparação sendo o seu currículo e programa determinados por esse exame. Ocorreu então uma inversão de valores: o ENEM deixou de avaliar o Ensino Médio para direcionar o seu ensino. Não mais interessava saber que conteúdos seriam adequados à formação do estudante mas, o que seria cobrado no ENEM de modo a limitar os candidatos ao número de vagas oferecidas na Universidade. Ficaram em segundo plano, o interesse do aluno, a sua formação humana, a sua autonomia, sua prática de cidadania, sua capacitação para o trabalho, seu desenvolvimento pessoal.

Estudam-se agora propostas para mudanças no Ensino Médio. O primeiro passo seria a definição do seu objetivo: preparar para o ENEM treinando as chamadas “perguntas de algibeira” que pouco expressam o nível cultural mas cujo aprendizado exige enorme esforço e dedicação do aluno ou visar uma formação humanista e uma capacitação para uma mediata inserção no mercado de trabalho?

Ao que parece, entendendo-se o Ensino Médio como um curso de caráter terminal, fortalece-se o nível de exigência do seu ensino e, ao mesmo tempo, indiretamente, prepara-se, não para um exame determinado, mas para o nível superior. A reforma do Ensino Médio exige a mudança da cobrança do ENEM. Cabe a esse exame avaliar o nível da cultura do aluno, a sua capacidade crítica, a independência de seu pensamento e não estabelecer conteúdos específicos para os seus programas.

De pouco adianta o projeto de reforma do Ensino Médio se não for alterado o ENEM. Dele dependendo, o aluno, para ingressar na Universidade vai ser obrigado a submeter-se às suas imposições sobre currículos e programas.

A questão maior na reforma do Ensino Médio não está no número de horas de estudo, na adequação do imóvel, na formação dos professores, mas na determinação clara e justificada de seu objetivo.


Vera Rudge Werneck




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