segunda-feira, 20 de março de 2017


Mudança de Mentalidade


Por muitos séculos a humanidade aceitou como normal, legítimo e até legal, instituto da escravidão. Admitiu-se como válido e justificável o costume da exploração do homem pelo homem, a possibilidade de posse de um ser humano por outro. Como justificativa, voltando à lei da selva, apelavam para o direito do mais poderoso, do mais forte. O que tivesse alcançado mais desenvolvimento econômico teria o direito de dominar o menos poderoso impondo-lhe a sua vontade. Consideravam até essa ação como benéfica para o escravizado como um processo de aculturação, de civilização.

Pouco a pouco, por meio da reflexão filosófica, da reflexão ética sobre o princípio da moralidade: “não faça ao outro o que não queres que façam a ti mesmo, põe-se primeiramente em dúvida tal direito para, em seguida negá-lo e finalmente condená-lo e proibi-lo.

Vive-se hoje um processo semelhante. Por razões históricas e culturais, de acordo com a lei que defende o direito do mais poderoso, confundiu-se o direito público com o privado. Os que ocupavam cargos públicos consideraram-se no direito de usar, para benefícios particulares, o patrimônio público próprio da função que desempenhavam. Veículos para uso dos cargos públicos como automóveis, aviões, helicópteros e outras regalias facilitadoras das funções públicas foram entendidas como propriedade particular por alguns funcionários do Estado.

Novamente está ocorrendo o mesmo fenômeno: pouco a pouco, pela reflexão filosófica, pela reflexão ética foi-se percebendo a diferença entre o público e o privado. Foi-se percebendo que os bens utilizados para facilitar o trabalho pertenciam ao Estado, e assim, à nação, ao povo e não podiam ser apropriados por aqueles que temporariamente desempenhavam funções públicas.

Acontece um choque cultural. Instaura-se uma nova hierarquia de valores que privilegia, cada vez mais, a igualdade de direitos e a justiça social. Nessa nova visão de mundo, para o bem da humanidade ficam bem distintas, como um aperfeiçoamento da convivência ética, as esferas do público e do privado.


Vera Rudge Werneck

terça-feira, 14 de março de 2017


Neutralidade no Magistério?

Discute-se hoje sobre a conveniência ou não da escola sem partido. Educar segundo uma das definições etimológicas significa exatamente, conduzir para fora numa direção. É impossível o educador neutro, mesmo porque, se assim fosse, deixaria de ser educador. Por profissão, é alguém que não pode aceitar o erro, a injustiça, o desrespeito, a violência. Assim sendo, é impossível não avaliar os fatos históricos embora deva situá-los no contexto em que ocorreram. É inadmissível falar da escravidão ou do nazismo sem condená-los. Embora a neutralidade seja impossível e mesmo indesejável, a consciência e a justificativa do seu posicionamento são possíveis. Todo professor, como todo ser humano, em certa medida, faz uma interpretação ideológica da realidade a partir do seu ponto de vista. Só a definição clara do seu ângulo de visão vai minimizar o problema e a respeitar os que dele divergem.

Diante dessa situação real, surge a dificuldade para conciliar os momentos da análise e da síntese no estudo da História. É muito difícil, para alunos dos níveis fundamental e médio, o acesso às fontes primárias para que os fatos possam ser analisados de um modo razoavelmente isento. Os manuais apresentam sínteses e interpretações feitas pelos historiadores por vezes justificáveis por outras nem tanto. De qualquer modo, apresentam sempre uma interpretação decorrente de uma determinada visão de mundo que, se não leva ao relativismo, conduz à relatividade do conhecimento.

A consciência dessa relatividade vai permitir um olhar mais crítico e uma maior admissão de outras interpretações. Por outro lado, uma avaliação quando é tomada como única possível ou aceita sem justificativas vai negar o caráter de ciência da História para relegá-la a uma narração ideológica dos fatos.

Esse é um problema sem solução: o professor não deixa de ser humano por ser professor é, ao mesmo tempo, como profissional, é sua obrigação proporcionar ao aluno a maior possibilidade de análise do fato histórico não lhe apresentando somente sínteses prontas e indiscutíveis como a única possibilidade de conhecimento.

É preciso ainda, considerar a dificuldade de aprender por sínteses feitas por outros. O aluno será levado a aceitar passivamente e a decorar as respostas consideradas como “certas”. Ele é privado da capacidade de análise e de crítica devendo apenas repetir o conteúdo do livro didático e a palavra do professor.

Só se apresenta uma saída para esse impasse: a consciência do problema para que possa ser de certo modo superado.


Vera Rudge Werneck

terça-feira, 7 de março de 2017


Os dois objetivos do Ensino Médio

Observando a história do Ensino Médio no Brasil, pode-se perceber uma divisão inicial que, de certo modo explica as suas dificuldades. Foi um nível de ensino que começou com dois entendimentos: o primeiro o concebia como um curso propedêutico com o objetivo de preparar para os estudos superiores. A lei estabelecia o pré-médico, o pré-politécnico, o pré-jurídico. Sob esse enfoque, o nível médio não teria identidade própria. Seria um curso preparatório determinado pelas exigências da universidade.

O outro entendimento o considerava como complementar ao nível fundamental. Seu objetivo seria a cultura geral, a reflexão crítica que permitisse um posicionamento diante da vida e o exercício consciente da cidadania.

Ao longo do tempo, prevaleceu uma ou outra concepção. Essa divisão caracterizou o Ensino Médio como um curso sem identidade própria variando o seu currículo e os seus conteúdos conforme as imposições do momento. O aumento da demanda pela Universidade levou à necessidade de eliminar candidatos pela escassez das vagas. Como decorrência, o curso especializou-se, cada vez mais na preparação para os exames vestibulares. Com a introdução do ENEM, o direcionamento voltou-se inteiramente para a sua preparação sendo o seu currículo e programa determinados por esse exame. Ocorreu então uma inversão de valores: o ENEM deixou de avaliar o Ensino Médio para direcionar o seu ensino. Não mais interessava saber que conteúdos seriam adequados à formação do estudante mas, o que seria cobrado no ENEM de modo a limitar os candidatos ao número de vagas oferecidas na Universidade. Ficaram em segundo plano, o interesse do aluno, a sua formação humana, a sua autonomia, sua prática de cidadania, sua capacitação para o trabalho, seu desenvolvimento pessoal.

Estudam-se agora propostas para mudanças no Ensino Médio. O primeiro passo seria a definição do seu objetivo: preparar para o ENEM treinando as chamadas “perguntas de algibeira” que pouco expressam o nível cultural mas cujo aprendizado exige enorme esforço e dedicação do aluno ou visar uma formação humanista e uma capacitação para uma mediata inserção no mercado de trabalho?

Ao que parece, entendendo-se o Ensino Médio como um curso de caráter terminal, fortalece-se o nível de exigência do seu ensino e, ao mesmo tempo, indiretamente, prepara-se, não para um exame determinado, mas para o nível superior. A reforma do Ensino Médio exige a mudança da cobrança do ENEM. Cabe a esse exame avaliar o nível da cultura do aluno, a sua capacidade crítica, a independência de seu pensamento e não estabelecer conteúdos específicos para os seus programas.

De pouco adianta o projeto de reforma do Ensino Médio se não for alterado o ENEM. Dele dependendo, o aluno, para ingressar na Universidade vai ser obrigado a submeter-se às suas imposições sobre currículos e programas.

A questão maior na reforma do Ensino Médio não está no número de horas de estudo, na adequação do imóvel, na formação dos professores, mas na determinação clara e justificada de seu objetivo.


Vera Rudge Werneck




quinta-feira, 2 de março de 2017



Questões de Educação e Cultura


Nosso objetivo nesse meio de comunicação é compartilhar, contribuir, somar.

O processo do conhecimento faz-se pela contínua reflexão sobre os temas que vêm motivando e mobilizando a humanidade através dos tempos. As questões se esclarecem pouco a pouco pela contribuição de muitos. Vamos aqui refletir sobre alguns desses temas no intuito apenas de trazê-los à discussão, e assim continuar a corrente de considerações sobre eles.

Não pretendemos oferecer fórmulas prontas, prescrições, soluções definitivas, mas somente subsídios para futuras conversas, e de certo modo, propiciar a capacidade crítica.

Nossa experiência de muitos anos de magistério, permitiu-nos perceber que há questões fundamentais, questões-chave, que servem de base para a construção do conhecimento.

Em todos os temas manifesta-se a ação humana e a sua produção. A cultura seria o resultado do seu agir livre e responsável que vai transformar o mundo e direcionar o futuro.