quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Os diferentes modos de aprender


Aprendem-se idéias e aprendem-se valores. Aprendem-se idéias com o intelecto, a razão e os valores com a sensibilidade. Essa diferença é fundamental para a construção do conhecimento. Idéias motivam, valores mobilizam. O conhecimento de idéias leva a juízos, a raciocínios, a hipóteses, a teorias, a leis, a aplicações tecnológicas. É o objetivo das instituições de ensino. Expor o conhecimento, transmitir o saber acumulado com diversas metodologias e recursos didáticos. 

O objetivo dessa transmissão não é somente o armazenamento, o enciclopedismo, o cientificismo mas a assimilação, a construção individual do conhecimento de modo a levar à mudança de ponto de vista, à instrução e à cultura do estudante. Todo o esforço é feito no sentido de chegar aos melhores meios para o atingimento desse fim. 

O conhecimento dos valores, do que vale na vida, é feito de outro modo e traz outras conseqüências. Como já foi dito, é um conhecimento que mobiliza, que leva à ação. Não ocorre por meio de aulas e discursos mas por experiências, por vivências. Assim como não se ensina a nadar ou a andar de bicicleta com palestras e explicações teóricas, não se ensina moral, ética, arte, religião desse modo. 

Valores são aprendidos por práticas, por experiências. De pouco adianta uma exposição teórica sobre ética se não for seguida de exemplos práticos. Essa é a força do teatro, das novelas. Não fazem explanações teóricas. Mostram situações práticas da vida. 

Do mesmo modo, o ensino de religião não é o mesmo do que o conhecimento de história, das religiões, das diferentes doutrinas religiosas ou da sua manifestação artística. As religiões se fundamentam no sagrado, na transcendência. Exigem o comportamento de fé. Devem ser transmitidas com esse enfoque ou deixadas de lado. O seu aspecto histórico, artístico ou antropológico deve ser oferecido nas aulas de história, de geografia, de sociologia ou de filosofia. 

O ensino confessional exige vivência, exige prática. Por esse motivo deve ser feito em primeiro lugar pela família e só secundariamente pela escola. Caba à família proporcionar situações que levem à vivência da fé. Situações práticas da vida que confirmem a sua religião para que ela não se limite apenas a um conjunto de rituais vazios, sem sentido, mas que expresse verdadeiramente uma opção existencial. No caso do ensino público, essa questão é de difícil solução. Acredita-se somente ser possível com a total liberdade de ação da parte dos professores e em turmas diferenciadas pelos credos e sem obrigatoriedade de presença. Caso contrário não ocorre nenhum ensino religioso mas apenas conselhos de ética, de tolerância, e de benevolência universal que podem ser muito úteis mas não constituem ensino de religião. 


Vera Rudge Werneck
                                                                                                                                                                 

sábado, 24 de junho de 2017


O Preconceito no Ensino Médio

Entre as inúmeras dificuldades com que defronta a educação no Brasil encontra-se o preconceito contra os que não cursaram a universidade. São eles, por isso, considerados cidadãos de menor valor humano, menos capazes de uma função importante na sociedade. Não que se condene evidentemente a aspiração ao nível universitário, mas, deve-se admitir que há outras formas de realização pessoal. Pode-se viver de modo digno e produtivo atuando na área da arte, da tecnologia ou do serviço sem o ensino superior. O trabalho, por si só, como atividade que exige competência, pode garantir uma boa qualidade de vida seja no aspecto social, no econômico/financeiro, no exercício consciente da cidadania e especialmente no aprimoramento pessoal. 

Por outro lado, encontra-se, com freqüência o aluno de nível médio que visa a Universidade somente pelo certificado, pelo título como se a sua simples posse pudesse alterar a sua vida. São universitários sem vocação que apenas cumprem tarefas sem maior interesse no estudo mas que chegam à formatura passando a ostentar o título como um troféu. Na prática, no entanto, vão muitas vezes exercer funções que dispensam esse nível de estudo. 

O certificado de curso superior não deve ser visto como era no passado, o título de nobreza, muitas vezes comprado com grande esforço por visões ideológicas e preconceituosas, mas como uma modalidade de busca de conhecimento para o exercício de determinadas profissões. Claramente percebe-se o preconceito. 

É por conta da desvalorização social dos que não cursaram o nível superior que se impõe a necessidade bastante questionável da universidade para todos. Tivesse o Ensino Médio um caráter terminal oferecendo a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, não haveria a necessidade da universidade para a profissionalização. Somente os que desejassem uma profissão que exigisse estudos nesse nível iriam procurá-lo o que o tornaria mais exigente e objetivo. 

Essa observação leva à necessidade de se repensar o Ensino Médio para que seja diversificado o seu objetivo e o seu currículo. Para que não somente prepare para a universidade e para o trabalho especializado mas especialmente, dê uma base geral de conhecimentos que permita outros modelos de profissionalização. 

Só o preconceito justifica essa tendência homogenizadora e padronizadora do Ensino Médio. Não há porque não diversificar o seu currículo para que possa atender aos diferentes interesses do seu alunado. 

É fundamental, numa sociedade democrática, respeito às diferenças, a oportunidade para todos. Por muito tempo o preconceito manifestou-se contra o ensino técnico que foi avaliado como um curso inferior, de caráter prático mais adequado às camadas mais desfavorecidas. Entende-se que além de preparar para a universidade e para o ensino técnico o ensino médio deve ter um currículo que contemple os que não pretendem nenhuma profissão especializada mas uma maior qualificação para o ingresso no mercado de trabalho que lhes permita uma vida digna integrada na sociedade com responsabilidade social a prática de cidadania. 

A história da legislação sobre o Ensino Médio também deixa entrever o preconceito pela dicotomia que estabelece entre os distintos grupos sociais: um currículo propedêutico para os economicamente mais abastados que se destinariam ao Ensino Superior e outro visando a profissionalização para os menos favorecidos que necessitariam iniciar mais cedo o trabalho remunerado. 

Os que escolhiam a profissionalização estariam premidos pela necessidade abrindo mão do objetivo ideal que seria a universidade. A entrada no mercado de trabalho logo após o Ensino Médio sempre foi vista como uma segunda opção, com um caminho menor, como uma via inferior para os economicamente mais carentes. 

Só o preconceito explica a distorção de objetivos que levou o Ensino Médio a ser um curso preparatório para o ENEM e os vestibulares. Só o preconceito permite compreender a ideologia que apresenta a Universidade como a única forma de realização pessoal.


Vera Rudge Werneck



quarta-feira, 10 de maio de 2017


Por que? X Porque

Dentre as inúmeras perguntas que se fazem, uma impressiona especialmente: por que a crença religiosa incomoda tanto aos que dela não participam? Por que alguns são capazes de roubar e destruir despachos colocados numa esquina, são capazes de apedrejar um praticante de determinado culto, de destruir imagens e objetos sagrados para uma religião, de quebrar violentamente crucifixos, de ridicularizar de maneira ofensiva em jornais, rádio, televisão e internet o que é sagrado para muitos? Por que tanta agressividade, por que? Por que?

Não que se defenda a censura, a proibição. Deve ser garantida a livre expressão, o direito de liberdade na manifestação. A pergunta parte de uma curiosidade científica no âmbito da sociologia da educação. Por que esse tipo de ação? O que motiva alguém a agir desse modo? Que força os mobiliza para essa agressividade gratuita?

Os desentendimentos e mesmo as reações apaixonadas em questões de política são, de certo modo, compreensíveis já que determinados posicionamentos podem redundar em dificuldades para os outros. As discordâncias em orientações de economia justificam-se pelo prejuízo que podem acarretar. Mesmo no que diz respeito aos usos, aos costumes, às ideologias como interpretações do real, entendem-se os conflitos, os desentendimentos pelas conseqüências que trazem para os diferentes estilos de vida.

Contrariamente às questões políticas, econômicas, ideológicas e de costumes sociais que repercutem na vida do outro, as opções religiosas em nada interferem no viver de cada um. Considerando-se que a religião, atualmente, não é mais um comportamento da sociedade e a laicidade do Estado, especialmente em países do ocidente na contemporaneidade, que diferença pode fazer a opção religiosa de cada um? Entendendo-se a religião como fundamentada na fé, na livre adesão a uma revelação sobre o sobrenatural, quem pode considerar-se como detentor da verdade absoluta? Que certeza pode-se ter sobre a existência de Deus ou sobre a vida após a morte? Este é um terreno onde reina a total indeterminação portanto, onde todas as opções, desde que não ponham em risco a vida e a liberdade do próximo e o ecossistema, devem ser aceitas.

Num exercício de reflexão, chega-se a algumas respostas para a pergunta inicial: por que tanta agressividade contra as crenças religiosas alheias? Porque seria uma forma de vingança contra erros cometidos no passado. (Estariam, neste caso, agindo da mesma forma do que os que condenaram). Porque, na falta de criatividade confundem graça com agressividade e não percebem que a ofensa não é engraçada; porque é uma maneira fácil de projetar-se profissionalmente; porque buscam o sucesso pelo escândalo; porque julgam-se superiores por não terem fé, por não caírem em nenhuma “fraqueza” religiosa. São muitos os “porquês” muitas as razões possíveis, mas talvez a que melhor explique tais atitudes seja a seguinte: porque nunca pararam para pensar sobre essa questão.


Vera Rudge Werneck

segunda-feira, 20 de março de 2017


Mudança de Mentalidade


Por muitos séculos a humanidade aceitou como normal, legítimo e até legal, instituto da escravidão. Admitiu-se como válido e justificável o costume da exploração do homem pelo homem, a possibilidade de posse de um ser humano por outro. Como justificativa, voltando à lei da selva, apelavam para o direito do mais poderoso, do mais forte. O que tivesse alcançado mais desenvolvimento econômico teria o direito de dominar o menos poderoso impondo-lhe a sua vontade. Consideravam até essa ação como benéfica para o escravizado como um processo de aculturação, de civilização.

Pouco a pouco, por meio da reflexão filosófica, da reflexão ética sobre o princípio da moralidade: “não faça ao outro o que não queres que façam a ti mesmo, põe-se primeiramente em dúvida tal direito para, em seguida negá-lo e finalmente condená-lo e proibi-lo.

Vive-se hoje um processo semelhante. Por razões históricas e culturais, de acordo com a lei que defende o direito do mais poderoso, confundiu-se o direito público com o privado. Os que ocupavam cargos públicos consideraram-se no direito de usar, para benefícios particulares, o patrimônio público próprio da função que desempenhavam. Veículos para uso dos cargos públicos como automóveis, aviões, helicópteros e outras regalias facilitadoras das funções públicas foram entendidas como propriedade particular por alguns funcionários do Estado.

Novamente está ocorrendo o mesmo fenômeno: pouco a pouco, pela reflexão filosófica, pela reflexão ética foi-se percebendo a diferença entre o público e o privado. Foi-se percebendo que os bens utilizados para facilitar o trabalho pertenciam ao Estado, e assim, à nação, ao povo e não podiam ser apropriados por aqueles que temporariamente desempenhavam funções públicas.

Acontece um choque cultural. Instaura-se uma nova hierarquia de valores que privilegia, cada vez mais, a igualdade de direitos e a justiça social. Nessa nova visão de mundo, para o bem da humanidade ficam bem distintas, como um aperfeiçoamento da convivência ética, as esferas do público e do privado.


Vera Rudge Werneck

terça-feira, 14 de março de 2017


Neutralidade no Magistério?

Discute-se hoje sobre a conveniência ou não da escola sem partido. Educar segundo uma das definições etimológicas significa exatamente, conduzir para fora numa direção. É impossível o educador neutro, mesmo porque, se assim fosse, deixaria de ser educador. Por profissão, é alguém que não pode aceitar o erro, a injustiça, o desrespeito, a violência. Assim sendo, é impossível não avaliar os fatos históricos embora deva situá-los no contexto em que ocorreram. É inadmissível falar da escravidão ou do nazismo sem condená-los. Embora a neutralidade seja impossível e mesmo indesejável, a consciência e a justificativa do seu posicionamento são possíveis. Todo professor, como todo ser humano, em certa medida, faz uma interpretação ideológica da realidade a partir do seu ponto de vista. Só a definição clara do seu ângulo de visão vai minimizar o problema e a respeitar os que dele divergem.

Diante dessa situação real, surge a dificuldade para conciliar os momentos da análise e da síntese no estudo da História. É muito difícil, para alunos dos níveis fundamental e médio, o acesso às fontes primárias para que os fatos possam ser analisados de um modo razoavelmente isento. Os manuais apresentam sínteses e interpretações feitas pelos historiadores por vezes justificáveis por outras nem tanto. De qualquer modo, apresentam sempre uma interpretação decorrente de uma determinada visão de mundo que, se não leva ao relativismo, conduz à relatividade do conhecimento.

A consciência dessa relatividade vai permitir um olhar mais crítico e uma maior admissão de outras interpretações. Por outro lado, uma avaliação quando é tomada como única possível ou aceita sem justificativas vai negar o caráter de ciência da História para relegá-la a uma narração ideológica dos fatos.

Esse é um problema sem solução: o professor não deixa de ser humano por ser professor é, ao mesmo tempo, como profissional, é sua obrigação proporcionar ao aluno a maior possibilidade de análise do fato histórico não lhe apresentando somente sínteses prontas e indiscutíveis como a única possibilidade de conhecimento.

É preciso ainda, considerar a dificuldade de aprender por sínteses feitas por outros. O aluno será levado a aceitar passivamente e a decorar as respostas consideradas como “certas”. Ele é privado da capacidade de análise e de crítica devendo apenas repetir o conteúdo do livro didático e a palavra do professor.

Só se apresenta uma saída para esse impasse: a consciência do problema para que possa ser de certo modo superado.


Vera Rudge Werneck

terça-feira, 7 de março de 2017


Os dois objetivos do Ensino Médio

Observando a história do Ensino Médio no Brasil, pode-se perceber uma divisão inicial que, de certo modo explica as suas dificuldades. Foi um nível de ensino que começou com dois entendimentos: o primeiro o concebia como um curso propedêutico com o objetivo de preparar para os estudos superiores. A lei estabelecia o pré-médico, o pré-politécnico, o pré-jurídico. Sob esse enfoque, o nível médio não teria identidade própria. Seria um curso preparatório determinado pelas exigências da universidade.

O outro entendimento o considerava como complementar ao nível fundamental. Seu objetivo seria a cultura geral, a reflexão crítica que permitisse um posicionamento diante da vida e o exercício consciente da cidadania.

Ao longo do tempo, prevaleceu uma ou outra concepção. Essa divisão caracterizou o Ensino Médio como um curso sem identidade própria variando o seu currículo e os seus conteúdos conforme as imposições do momento. O aumento da demanda pela Universidade levou à necessidade de eliminar candidatos pela escassez das vagas. Como decorrência, o curso especializou-se, cada vez mais na preparação para os exames vestibulares. Com a introdução do ENEM, o direcionamento voltou-se inteiramente para a sua preparação sendo o seu currículo e programa determinados por esse exame. Ocorreu então uma inversão de valores: o ENEM deixou de avaliar o Ensino Médio para direcionar o seu ensino. Não mais interessava saber que conteúdos seriam adequados à formação do estudante mas, o que seria cobrado no ENEM de modo a limitar os candidatos ao número de vagas oferecidas na Universidade. Ficaram em segundo plano, o interesse do aluno, a sua formação humana, a sua autonomia, sua prática de cidadania, sua capacitação para o trabalho, seu desenvolvimento pessoal.

Estudam-se agora propostas para mudanças no Ensino Médio. O primeiro passo seria a definição do seu objetivo: preparar para o ENEM treinando as chamadas “perguntas de algibeira” que pouco expressam o nível cultural mas cujo aprendizado exige enorme esforço e dedicação do aluno ou visar uma formação humanista e uma capacitação para uma mediata inserção no mercado de trabalho?

Ao que parece, entendendo-se o Ensino Médio como um curso de caráter terminal, fortalece-se o nível de exigência do seu ensino e, ao mesmo tempo, indiretamente, prepara-se, não para um exame determinado, mas para o nível superior. A reforma do Ensino Médio exige a mudança da cobrança do ENEM. Cabe a esse exame avaliar o nível da cultura do aluno, a sua capacidade crítica, a independência de seu pensamento e não estabelecer conteúdos específicos para os seus programas.

De pouco adianta o projeto de reforma do Ensino Médio se não for alterado o ENEM. Dele dependendo, o aluno, para ingressar na Universidade vai ser obrigado a submeter-se às suas imposições sobre currículos e programas.

A questão maior na reforma do Ensino Médio não está no número de horas de estudo, na adequação do imóvel, na formação dos professores, mas na determinação clara e justificada de seu objetivo.


Vera Rudge Werneck




quinta-feira, 2 de março de 2017



Questões de Educação e Cultura


Nosso objetivo nesse meio de comunicação é compartilhar, contribuir, somar.

O processo do conhecimento faz-se pela contínua reflexão sobre os temas que vêm motivando e mobilizando a humanidade através dos tempos. As questões se esclarecem pouco a pouco pela contribuição de muitos. Vamos aqui refletir sobre alguns desses temas no intuito apenas de trazê-los à discussão, e assim continuar a corrente de considerações sobre eles.

Não pretendemos oferecer fórmulas prontas, prescrições, soluções definitivas, mas somente subsídios para futuras conversas, e de certo modo, propiciar a capacidade crítica.

Nossa experiência de muitos anos de magistério, permitiu-nos perceber que há questões fundamentais, questões-chave, que servem de base para a construção do conhecimento.

Em todos os temas manifesta-se a ação humana e a sua produção. A cultura seria o resultado do seu agir livre e responsável que vai transformar o mundo e direcionar o futuro.