terça-feira, 27 de novembro de 2018

Escola sem partido ou Escola com respeito?


Uma das maiores dificuldades nas relações humanas vem do entendimento das mensagens transmitidas. As pessoas compreendem diferentemente o significado dos termos da comunicação. Esse é o caso da expressão “escola sem partido”. Qual o sentido dessa afirmação? Duas são as possibilidades fundamentais. 

A primeira seria a apologia de uma escola neutra, afilosófica, apolítica, areligiosa. Essa escola é impossível, não existe e caso existisse não poderia cumprir sua missão de educar já que a educação pressupõe tomada de posição, reflexão crítica, hierarquização de valores. Os próprios projetos político-pedagógicos que direcionam as suas ações, já propõem uma visão de mundo, uma filosofia da educação, uma postura ética, uma opção pedagógica. 

O processo da educação visa levar o educando a reconhecer, instaurar e a hierarquizar os valores de modo a aprimorar-se tanto como pessoa humana quanto como personalidade individual. 

A segunda acepção entenderia o termo “escola sem partido” como a exigência de respeito à liberdade de pensamento do aluno. 

Embora o professor como ser humano consciente e crítico tenha seus princípios filosóficos, políticos, pedagógicos e até mesmo religiosos, não pode aproveitar-se de sua posição de poder, já que cabe a ele formular as questões das provas, julgar sobre os acertos e os erros e sobre a produção do aluno, para doutrinar, impor sua interpretação do conhecimento como única possível. 

Especialmente nas ciências humanas é vasto o espaço para interpretação. Pode-se entender a ideologia como a interpretação do real a partir de um ponto de vista. Todo o conteúdo das ciências, de certo modo, é interpretado ideologicamente, mas em particular as
ciências humanas se prestam a esse fenômeno. 

É necessário que o professor tenha consciência desse fato, não para abrir mão de suas posições, mas para admitir a existência de outras e respeitar as possíveis divergências dos alunos. 

Nesse sentido a escola, especialmente a pública, não pode tomar partido, impor uma interpretação dos fatos da História, promover a propaganda política de determinada posição política. 

O ensino de religião, perfeitamente compreensível nas escolas confessionais é admissível na pública desde que livre, opcional e definido. Não transmitido de modo velado, nas entrelinhas e conotações de linguagem. 

Talvez a dificuldade do termo “escola sem partido” decorra da sua compreensão. Uma questão de semântica. “Escola sem partido” não seria uma escola neutra mas uma “escola com respeito”.

Vera Rudge Werneck

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Liberdade e Responsabilidade


O problema da responsabilidade moral está fundamentalmente ligado ao do determinismo e da liberdade humana. Somente pode-se admitir que o sujeito tenha responsabilidade moral se tiver conhecimento de causa e liberdade de opção e de decisão.

- O determinismo absoluto:
A teoria que aceita o determinismo absoluto nega a possibilidade de conhecimento de causa e a liberdade de opção. Acredita que a ação humana esteja previamente determinada pela necessidade seja pelo acaso, pelas condições de saúde ou psicosociais. Forças exteriores determinariam as ações impedindo a liberdade psicológica.

Sendo o comportamento do homem determinado previamente não seria possivel a liberdade de ação e consequentemente, a responsabilidade moral. Não havendo a escolha livre, não sendo o sujeito livre para optar e decidir, não seria responsável por seus atos. O determinismo é incompatível com a liberdade moral.

- A liberdade psicológica:
Contrariamente a teoria do determinismo, a teoria que admite a liberdade psicológica considera-a como a característica hmana fundamental que capacita o homem para a vida moral.

- O conhecimento de causa:
Só o homem é capaz de consciência e portanto, de vida moral. Para que seja possível esse procedimento, o sujeito deve ter conhecimento das circunstâncias, de sua ação. Seu comportamento deve ser consciente. No entanto, embora admita a liberdade de ação, considera algumas condições como necessárias para que ela ocorra: a maturidade fisiológica e psicológica. A criança, até certa idade, não tem possibilidade de conhecimento de causa e, por isso, liberdade para escolher e praticar o ato moral. Sua ação é mais motivada pela sensibilidade do que pela razão sendo muito difícil estabelecer com precisão o momento em que se inicia o seu conhecimento e, por consequência, a sua responsabilidade.

Do mesmo modo, o deficiente mental, aquele que por algum motivo não está em plena posse de suas faculdades cognitivas e emocionais não responde pelos seus atos sendo, por isso, incapaz de vida moral e portanto, de mérito ou culpa pelos seus atos. Essa incapacidade pode ser temporária ou definitiva.

A primeira exigência para o ato moral é o conhecimento de causa. O sujeito deve conhecer o conteúdo, as circunstâncias e as consequências de sua ação ou seja, seu comportamento deve ser consciente.

- A independência no agir:
O ato moral exige que o sujeito tenha independência, que não seja forçado a agir contra a sua vontade. Para que ocorra o ato moral, deve ser livre. Aquele que, de algum modo está sofrendo coação, pressão, aquele que age por medo, necessidade financeira, não pode ser plenamente responsabilizado por seus atos.

O ato moral supõe liberdade. Sendo muito ampla, a noção de liberdade precisa ser definida nas suas especificações: liberdade física. A capacidade de locomoção segundo a vontade do sujeito; a liberdade de ir e vir. Não a tem aquele que, por algum motivo está impedido de locomover-se. O encarcerado a tem embora limitada ao espaço de sua cela.

A liberdade psicológica. É a que possibilita o livre arbítrio ou seja, a capacidade de escolha entre várias opções com conhecimento de causa. O sujeito pela sua liberdade psicológica está apto a elaborar, a decidir e a executar respondendo por este comportamento.

A liberdade moral. Não se confunde com a liberdade psicológica. É o comportamento que permite a escolha apenas entre as ações consideradas moralmente legítimas. Embora tenha liberdade psicológica, o sujeito pode não ter liberdade moral para agir de determinada maneira.

Deve ser considerada a diferença entre o legal, o que é permitido pela lei e o legítimo, o que está de acordo com o princípio da moral que determina que se faça o bem e evite o mal, ou seja, que não se faça ao próximo o que não se quer que seja feito a si mesmo.

Seriam ainda outras manifestações desse valor: a liberdade civil como a possibilidade de participação ativa da vida da polis como membro da sociedade, ou seja, a possibilidade do exercício da cidadania; a liberdade política como a possibilidade de participação no governo do país votando ou sendo votado; a liberdade religiosa como a possibilidade de livre escolha de religião; a liberdade de pensamento e de expressão como a possibilidade de expressar suas ideias sem censuras ou constrangimentos.

O ato moral inicia-se pelo processo de elaboração em que se analisam os prós e os contra da situação em análise. Segue-se o momento da decisão em que se escolhe uma das possibilidades com base no conhecimento e na liberdade ou independência de opção. Finaliza-se com a execução quando a ação põe em prática a decisão.

Cabe ainda refletir sobre as manifestações patológicas do processo: a eterna elaboração que não chega nunca à decisão. A decisão que se arrepende e muda várias vezes depois de tomada e a incapacidade de execução que ocorre quando depois de tomada a decisão há uma imensa dificuldade para passá-la para a prática. O sujeito decide mas não consegue executar.

Como consequência da liberdade, vem a noção de responsabilidade. Etmologicamente significa a capacidade de responder pelos seus atos, ou seja, de ter consciência do seu protagonismo e de assumí-lo como resultado da sua decisão e da sua execução.

A liberdade não pode ser entendida como a indeterminação que nega a possibilidade de vida moral. Ao contrário, ela é condição da moralidade que se fundamenta no princípio universal que determina que se faça o bem, ou seja, o que cada um quer para si mesmo. Nela se origina a responsabilidade que traz em si a culpabilidade.

O ato de responder supõe o interlocutor. Responde-se ou a Deus, ou ao próximo, à autoridade, à sociedade ou à lei. Há sempre um diálogo e não um monólogo. Só é possível responder a si mesmo em sentido figurado já que a resposta a si próprio não acarretaria culpa. Ela constituiria apenas uma mudança de escolha.

A ética desenvolveria uma reflexão filosófica sobre o princípio da moral constituindo os códigos de comportamento.

Concluindo, pode-se dizer que a liberdade psicológica é condição para a vida moral e que traz como consequência a responsabilidade.

Responda as seguintes questões:
• Qual o princípio universal da moral?
• Quais as condições para o ato moral?
• Explique em que consiste o Determinismo e qual a sua relação com o comportamento moral.
• Relacione liberdade psicológica e liberdade moral. Dê exemplo.
• Dê um exemplo prático de conflito entre legal e legítimo.
• Dê um exemplo prático de responsabilidade profissional.















quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Os diferentes modos de aprender


Aprendem-se idéias e aprendem-se valores. Aprendem-se idéias com o intelecto, a razão e os valores com a sensibilidade. Essa diferença é fundamental para a construção do conhecimento. Idéias motivam, valores mobilizam. O conhecimento de idéias leva a juízos, a raciocínios, a hipóteses, a teorias, a leis, a aplicações tecnológicas. É o objetivo das instituições de ensino. Expor o conhecimento, transmitir o saber acumulado com diversas metodologias e recursos didáticos. 

O objetivo dessa transmissão não é somente o armazenamento, o enciclopedismo, o cientificismo mas a assimilação, a construção individual do conhecimento de modo a levar à mudança de ponto de vista, à instrução e à cultura do estudante. Todo o esforço é feito no sentido de chegar aos melhores meios para o atingimento desse fim. 

O conhecimento dos valores, do que vale na vida, é feito de outro modo e traz outras conseqüências. Como já foi dito, é um conhecimento que mobiliza, que leva à ação. Não ocorre por meio de aulas e discursos mas por experiências, por vivências. Assim como não se ensina a nadar ou a andar de bicicleta com palestras e explicações teóricas, não se ensina moral, ética, arte, religião desse modo. 

Valores são aprendidos por práticas, por experiências. De pouco adianta uma exposição teórica sobre ética se não for seguida de exemplos práticos. Essa é a força do teatro, das novelas. Não fazem explanações teóricas. Mostram situações práticas da vida. 

Do mesmo modo, o ensino de religião não é o mesmo do que o conhecimento de história, das religiões, das diferentes doutrinas religiosas ou da sua manifestação artística. As religiões se fundamentam no sagrado, na transcendência. Exigem o comportamento de fé. Devem ser transmitidas com esse enfoque ou deixadas de lado. O seu aspecto histórico, artístico ou antropológico deve ser oferecido nas aulas de história, de geografia, de sociologia ou de filosofia. 

O ensino confessional exige vivência, exige prática. Por esse motivo deve ser feito em primeiro lugar pela família e só secundariamente pela escola. Caba à família proporcionar situações que levem à vivência da fé. Situações práticas da vida que confirmem a sua religião para que ela não se limite apenas a um conjunto de rituais vazios, sem sentido, mas que expresse verdadeiramente uma opção existencial. No caso do ensino público, essa questão é de difícil solução. Acredita-se somente ser possível com a total liberdade de ação da parte dos professores e em turmas diferenciadas pelos credos e sem obrigatoriedade de presença. Caso contrário não ocorre nenhum ensino religioso mas apenas conselhos de ética, de tolerância, e de benevolência universal que podem ser muito úteis mas não constituem ensino de religião. 


Vera Rudge Werneck
                                                                                                                                                                 

sábado, 24 de junho de 2017


O Preconceito no Ensino Médio

Entre as inúmeras dificuldades com que defronta a educação no Brasil encontra-se o preconceito contra os que não cursaram a universidade. São eles, por isso, considerados cidadãos de menor valor humano, menos capazes de uma função importante na sociedade. Não que se condene evidentemente a aspiração ao nível universitário, mas, deve-se admitir que há outras formas de realização pessoal. Pode-se viver de modo digno e produtivo atuando na área da arte, da tecnologia ou do serviço sem o ensino superior. O trabalho, por si só, como atividade que exige competência, pode garantir uma boa qualidade de vida seja no aspecto social, no econômico/financeiro, no exercício consciente da cidadania e especialmente no aprimoramento pessoal. 

Por outro lado, encontra-se, com freqüência o aluno de nível médio que visa a Universidade somente pelo certificado, pelo título como se a sua simples posse pudesse alterar a sua vida. São universitários sem vocação que apenas cumprem tarefas sem maior interesse no estudo mas que chegam à formatura passando a ostentar o título como um troféu. Na prática, no entanto, vão muitas vezes exercer funções que dispensam esse nível de estudo. 

O certificado de curso superior não deve ser visto como era no passado, o título de nobreza, muitas vezes comprado com grande esforço por visões ideológicas e preconceituosas, mas como uma modalidade de busca de conhecimento para o exercício de determinadas profissões. Claramente percebe-se o preconceito. 

É por conta da desvalorização social dos que não cursaram o nível superior que se impõe a necessidade bastante questionável da universidade para todos. Tivesse o Ensino Médio um caráter terminal oferecendo a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, não haveria a necessidade da universidade para a profissionalização. Somente os que desejassem uma profissão que exigisse estudos nesse nível iriam procurá-lo o que o tornaria mais exigente e objetivo. 

Essa observação leva à necessidade de se repensar o Ensino Médio para que seja diversificado o seu objetivo e o seu currículo. Para que não somente prepare para a universidade e para o trabalho especializado mas especialmente, dê uma base geral de conhecimentos que permita outros modelos de profissionalização. 

Só o preconceito justifica essa tendência homogenizadora e padronizadora do Ensino Médio. Não há porque não diversificar o seu currículo para que possa atender aos diferentes interesses do seu alunado. 

É fundamental, numa sociedade democrática, respeito às diferenças, a oportunidade para todos. Por muito tempo o preconceito manifestou-se contra o ensino técnico que foi avaliado como um curso inferior, de caráter prático mais adequado às camadas mais desfavorecidas. Entende-se que além de preparar para a universidade e para o ensino técnico o ensino médio deve ter um currículo que contemple os que não pretendem nenhuma profissão especializada mas uma maior qualificação para o ingresso no mercado de trabalho que lhes permita uma vida digna integrada na sociedade com responsabilidade social a prática de cidadania. 

A história da legislação sobre o Ensino Médio também deixa entrever o preconceito pela dicotomia que estabelece entre os distintos grupos sociais: um currículo propedêutico para os economicamente mais abastados que se destinariam ao Ensino Superior e outro visando a profissionalização para os menos favorecidos que necessitariam iniciar mais cedo o trabalho remunerado. 

Os que escolhiam a profissionalização estariam premidos pela necessidade abrindo mão do objetivo ideal que seria a universidade. A entrada no mercado de trabalho logo após o Ensino Médio sempre foi vista como uma segunda opção, com um caminho menor, como uma via inferior para os economicamente mais carentes. 

Só o preconceito explica a distorção de objetivos que levou o Ensino Médio a ser um curso preparatório para o ENEM e os vestibulares. Só o preconceito permite compreender a ideologia que apresenta a Universidade como a única forma de realização pessoal.


Vera Rudge Werneck



quarta-feira, 10 de maio de 2017


Por que? X Porque

Dentre as inúmeras perguntas que se fazem, uma impressiona especialmente: por que a crença religiosa incomoda tanto aos que dela não participam? Por que alguns são capazes de roubar e destruir despachos colocados numa esquina, são capazes de apedrejar um praticante de determinado culto, de destruir imagens e objetos sagrados para uma religião, de quebrar violentamente crucifixos, de ridicularizar de maneira ofensiva em jornais, rádio, televisão e internet o que é sagrado para muitos? Por que tanta agressividade, por que? Por que?

Não que se defenda a censura, a proibição. Deve ser garantida a livre expressão, o direito de liberdade na manifestação. A pergunta parte de uma curiosidade científica no âmbito da sociologia da educação. Por que esse tipo de ação? O que motiva alguém a agir desse modo? Que força os mobiliza para essa agressividade gratuita?

Os desentendimentos e mesmo as reações apaixonadas em questões de política são, de certo modo, compreensíveis já que determinados posicionamentos podem redundar em dificuldades para os outros. As discordâncias em orientações de economia justificam-se pelo prejuízo que podem acarretar. Mesmo no que diz respeito aos usos, aos costumes, às ideologias como interpretações do real, entendem-se os conflitos, os desentendimentos pelas conseqüências que trazem para os diferentes estilos de vida.

Contrariamente às questões políticas, econômicas, ideológicas e de costumes sociais que repercutem na vida do outro, as opções religiosas em nada interferem no viver de cada um. Considerando-se que a religião, atualmente, não é mais um comportamento da sociedade e a laicidade do Estado, especialmente em países do ocidente na contemporaneidade, que diferença pode fazer a opção religiosa de cada um? Entendendo-se a religião como fundamentada na fé, na livre adesão a uma revelação sobre o sobrenatural, quem pode considerar-se como detentor da verdade absoluta? Que certeza pode-se ter sobre a existência de Deus ou sobre a vida após a morte? Este é um terreno onde reina a total indeterminação portanto, onde todas as opções, desde que não ponham em risco a vida e a liberdade do próximo e o ecossistema, devem ser aceitas.

Num exercício de reflexão, chega-se a algumas respostas para a pergunta inicial: por que tanta agressividade contra as crenças religiosas alheias? Porque seria uma forma de vingança contra erros cometidos no passado. (Estariam, neste caso, agindo da mesma forma do que os que condenaram). Porque, na falta de criatividade confundem graça com agressividade e não percebem que a ofensa não é engraçada; porque é uma maneira fácil de projetar-se profissionalmente; porque buscam o sucesso pelo escândalo; porque julgam-se superiores por não terem fé, por não caírem em nenhuma “fraqueza” religiosa. São muitos os “porquês” muitas as razões possíveis, mas talvez a que melhor explique tais atitudes seja a seguinte: porque nunca pararam para pensar sobre essa questão.


Vera Rudge Werneck

segunda-feira, 20 de março de 2017


Mudança de Mentalidade


Por muitos séculos a humanidade aceitou como normal, legítimo e até legal, instituto da escravidão. Admitiu-se como válido e justificável o costume da exploração do homem pelo homem, a possibilidade de posse de um ser humano por outro. Como justificativa, voltando à lei da selva, apelavam para o direito do mais poderoso, do mais forte. O que tivesse alcançado mais desenvolvimento econômico teria o direito de dominar o menos poderoso impondo-lhe a sua vontade. Consideravam até essa ação como benéfica para o escravizado como um processo de aculturação, de civilização.

Pouco a pouco, por meio da reflexão filosófica, da reflexão ética sobre o princípio da moralidade: “não faça ao outro o que não queres que façam a ti mesmo, põe-se primeiramente em dúvida tal direito para, em seguida negá-lo e finalmente condená-lo e proibi-lo.

Vive-se hoje um processo semelhante. Por razões históricas e culturais, de acordo com a lei que defende o direito do mais poderoso, confundiu-se o direito público com o privado. Os que ocupavam cargos públicos consideraram-se no direito de usar, para benefícios particulares, o patrimônio público próprio da função que desempenhavam. Veículos para uso dos cargos públicos como automóveis, aviões, helicópteros e outras regalias facilitadoras das funções públicas foram entendidas como propriedade particular por alguns funcionários do Estado.

Novamente está ocorrendo o mesmo fenômeno: pouco a pouco, pela reflexão filosófica, pela reflexão ética foi-se percebendo a diferença entre o público e o privado. Foi-se percebendo que os bens utilizados para facilitar o trabalho pertenciam ao Estado, e assim, à nação, ao povo e não podiam ser apropriados por aqueles que temporariamente desempenhavam funções públicas.

Acontece um choque cultural. Instaura-se uma nova hierarquia de valores que privilegia, cada vez mais, a igualdade de direitos e a justiça social. Nessa nova visão de mundo, para o bem da humanidade ficam bem distintas, como um aperfeiçoamento da convivência ética, as esferas do público e do privado.


Vera Rudge Werneck

terça-feira, 14 de março de 2017


Neutralidade no Magistério?

Discute-se hoje sobre a conveniência ou não da escola sem partido. Educar segundo uma das definições etimológicas significa exatamente, conduzir para fora numa direção. É impossível o educador neutro, mesmo porque, se assim fosse, deixaria de ser educador. Por profissão, é alguém que não pode aceitar o erro, a injustiça, o desrespeito, a violência. Assim sendo, é impossível não avaliar os fatos históricos embora deva situá-los no contexto em que ocorreram. É inadmissível falar da escravidão ou do nazismo sem condená-los. Embora a neutralidade seja impossível e mesmo indesejável, a consciência e a justificativa do seu posicionamento são possíveis. Todo professor, como todo ser humano, em certa medida, faz uma interpretação ideológica da realidade a partir do seu ponto de vista. Só a definição clara do seu ângulo de visão vai minimizar o problema e a respeitar os que dele divergem.

Diante dessa situação real, surge a dificuldade para conciliar os momentos da análise e da síntese no estudo da História. É muito difícil, para alunos dos níveis fundamental e médio, o acesso às fontes primárias para que os fatos possam ser analisados de um modo razoavelmente isento. Os manuais apresentam sínteses e interpretações feitas pelos historiadores por vezes justificáveis por outras nem tanto. De qualquer modo, apresentam sempre uma interpretação decorrente de uma determinada visão de mundo que, se não leva ao relativismo, conduz à relatividade do conhecimento.

A consciência dessa relatividade vai permitir um olhar mais crítico e uma maior admissão de outras interpretações. Por outro lado, uma avaliação quando é tomada como única possível ou aceita sem justificativas vai negar o caráter de ciência da História para relegá-la a uma narração ideológica dos fatos.

Esse é um problema sem solução: o professor não deixa de ser humano por ser professor é, ao mesmo tempo, como profissional, é sua obrigação proporcionar ao aluno a maior possibilidade de análise do fato histórico não lhe apresentando somente sínteses prontas e indiscutíveis como a única possibilidade de conhecimento.

É preciso ainda, considerar a dificuldade de aprender por sínteses feitas por outros. O aluno será levado a aceitar passivamente e a decorar as respostas consideradas como “certas”. Ele é privado da capacidade de análise e de crítica devendo apenas repetir o conteúdo do livro didático e a palavra do professor.

Só se apresenta uma saída para esse impasse: a consciência do problema para que possa ser de certo modo superado.


Vera Rudge Werneck